quarta-feira, dezembro 08, 2010

que mundo?

cirino acabara de entrar em seu trabalho para fechar o ano. era a última aula que ele iria lecionar. daquelas que todos os estudantes ficam constrangidos diante uns dos outros e do professor, ao realizar-se uma avaliação oral do curso. que, em sua maioria, começa com um rol de elogios seguidos de alguns 'poréns' e fechando com positivos 'mesmo assim...". mas ele não chegou para sua aula. foi atingido por um tiro na cabeça, por um de seus alunos. muitos se perguntaram: 'em que mundo vivemos? como pode?' num tom apocalíptico muito caro em momentos de desespero, como esse. outros tentavam relembrar que, mesmo assim, há aqueles que querem continuar, quem tem esperanças, que seguem fazendo coisas boas. e que cirino iria gostar se déssemos continuidade aos trabalhos iniciados por ele, típica reação de quem não quer ser obrigado a desistir.
mas tereza, sentido seu peito destroçado, simplesmente comentou baixinho que esse mundo é um eterno entrelaçamento entre aquilo que fizeram de nós e aquilo que seguimos a fazer de nós mesmos.
nisso, uma lágrima, que seguiu rasgando tudo que encontrava pelo caminho, escorreu.

domingo, dezembro 05, 2010

the laughing heart

your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

C.B.

sexta-feira, novembro 05, 2010

angustias oníricas

estávamos em viagem. parecíamos andar sem destino fixo. passávamos de cidade em cidade, hospedando-nos em hotéis e casas abandonadas. assim que saímos da última parada senti que faltava algo. mas não sabia o que. havia esquecido minhas coisas num hotel. uma sacola com alguma coisa para vestir, ler e beber. só me dei conta quando chegamos na nossa próxima morada temporária. falei com quem dirigia o ônibus que tinha perdido minhas coisas e ele disse que eu conseguiria encontrar. adentrei prédio adentro e fiz o reconhecimento do ambiente. me acomodei em um quarto. minha mãe estava lá, e mais algumas pessoas. uma televisão estava ligada e as pessoas assistiam a um filme. enquanto isso procurava como um louco. mas não encontrava as coisas. passei a vasculhar todo o prédio, que mais parecia uma construção literária de machado ou azevedo. tava mais para um cortiço, ou cenas do kusturica. ora chão batido, ora terra e cimento. com armários cheios de utensílios e com poucos mantimentos. luzes vermelhas e amarronzadas. entrei num corredor que me conduziu até um aposento escuro. numa das paredes havia uma janela e um caixote que servia de calço para olhar a abertura da janela. era do tamanho de uma cabeça. e dava para uma sala escura, mas com luzes azuis que pareciam se emanar de uma outra televisão. olhei a televisão e passava um filme. numa das três camas, que estava logo abaixo da pequena janela, estava meu avô, que já havia falecido. ele estava dormindo, mas acordou e ficou ali com um sorriso no rosto. sai a procura de meu tio, que era, na verdade, o motorista do ônibus. ele estava numa cama com uma mulher. pediu para que eu acendesse a luz. relutei. eles insistiram. acendi. expliquei que não encontrava minhas coisas e que tinha deixado na última parada. ligamos para o dono do lugar e ele ficou de guardar para nós. algum dia, quando passássemos de novo pela cidade, pegaríamos tudo. fiquei muito aliviado. acordei querendo tomar um café.

domingo, outubro 24, 2010

quando escrever é fazer-se...

quando escrevo não escrevo o que eu sou. por mais profundo que o texto seja ele nunca dá conta da nossa condição de epitélio. (é que a simplicidade é muito mais complexa do que possamos pensar.) na verdade o escrito é que nos dá possibilidades de ser. nos fazemos com ele e nele. depois nos refazemos, pois um texto não consegue lidar inteiramente com almas e corpos - que mais parecem papéis, que podem ser dobrados e desdobrados. quando escrevo não falo de mim. falo comigo. com você, ou você, talvez até mesmo com você. mas nunca de mim, inteiramente. e sim, daquilo que penso ser, que quero ser, inclusive daquilo que quero distância, que quero me desfazer. escrevo para machucar. pois ao mesmo tempo que o texto procura cicatrizar as feridas, outras tantas armas são dadas, nesse e por esse mesmo texto, para que mais feridas se abram. as criaturas que surgem do ato de escrever sou eu e é o texto. mas é preciso lembrar que ser não é eterno. que ser não é essência. e que escrever é sempre re-criação. sempre uma ação de repetir. repetir para que as cousas possam se tornar diferentes, como me ensinou uma criança na sua segunda infância. por isso o que escrevo não sou eu. não escrevo o que sou.

os esporos se abriram com a amoreira

uma amoreira linda
caminhou 719 km
e deu flores aqui,
perto do meu peito.

seu sorriso era contagiante
e seu cheiro se espalhava
por todo meu corpo.

explodi de tesão e amor.
lancei esporos nos ares
e me infiltrei no solo,
no seu tronco
e na parede do banheiro.

a amoreira cheirosa
continuou sua andança,
deixando rastros de amor.

e eu me expandi,
ao me fragmentar.
estou aqui,
mas também junto dela.

segunda-feira, outubro 18, 2010

de cruzamento dos caminhos

foram seis anos de olhares cruzados. seis anos de 'olá como vai?'. seis anos de interesses em comum. seis anos errando em diferentes caminhos. seis anos de tensões. seis anos sem se tocarem. e de seis anos de desejos ludibriados, quando os caminhos se cruzaram. uma explosão. um frio na barriga. uma combinação entre peles e cabelos. uma falta de sangue no pênis. um turbilhão de dedos nos corpos. um excesso de sangue no pênis. um emaranhado de línguas e suores. um tempo de orgasmos. sem sacralização. sem pressão. com carinho. com tesão. e nada mais.

domingo, outubro 17, 2010

de desvios dos devires

aconteceu que quase tudo desacontecia, e de tanta coisa que podia ser mas não era, muito desaconteceu durante sua acontecência, era mais desacontecimentos que acontecimentos, e então passou a viver um pouco de cada desacontecimento de que tomava nota, desfizera-se em meio aos conflitos de outrora, desacontecendo-se, e passara a acontecer de outra forma, sentiu, subitamente, saudade de seus antigos acontecimentos e tentou retornar, mas perdera toda referência no meio dos caminhos, e já vagava sem memória alguma daquilo que já tinha acontecido e daquilo que tinha desacontecido, se acostumou a viver o que estava acontecendo e tentava fazer acontecer aquilo que sonhava para suas novas aventuras.

domingo, janeiro 17, 2010

fragmentos

II
ela chegava em casa de manhã cedo, tirava a blusa a deixava no canto do seu quarto e preparava um café forte. ainda dava tempo de tomar o café conferindo as correspondências que pegava na portaria antes de tomar uma ducha. era sempre uma ducha fria e rápida. ela costumava dormir depois disso até duas horas. mas naquele dia tinha um compromisso às três. ela havia marcado de passar o som com o convidado especial da noite em uma das casas noturnas em que trabalhava. na verdade era mais para fazer um social. levar o cara para conhecer a casa, depois uns drinks e talvez alguma coisa sólida para colocar no estômago. ela sentia falta de sua companhia, que havia lhe deixado há alguns meses. mas as coisas já estavam se ajeitando. ainda havia vestígios das últimas horas de prazer e tesão em sua cama. uma blusa esquecida e a mistura do perfume das amantes. ela conseguiu lembrar um pouco desses momentos e cochilou. acordou atrasada, porque ainda tinha que atravessar a cidade para receber o seu parceiro de trabalho. correu para pegar o ônibus e ocupou com destreza a última vaga naquele enlatado humano. com o tempo os usuários desse transporte desenvolvem uma espécie de mucosa nas roupas que os fazem escorregar por entre os corpos ocupando um microespaço, por vezes pouco ventilados, até seu destino final. conseguiu, enfim, chegar na casa noturna e cumpriu seu papel de anfitriã até o início da festa. ela era boa nisso, apesar de não gostar da idéia de ter que ser o guia da vez. mas ela sabia se entreter com as pessoas e gostava de lidar com elas. o trabalho foi calmo, com surpresas musicais interessantes, mas nada de excepcional. ela conheceu uma garota interessante, com quem trocou contatos. mas ela voltou para casa sozinha. tirou a blusa e tomou uma xícara de café. pensou consigo mesma que poderia ligar para sua antiga companheira, mas sabia que era estupidez. guardou essa idéia no seu baú de lembranças e, então, tomou uma ducha e se deitou.

sexta-feira, janeiro 01, 2010

fragmentos

I
um estouro saiu da casa de taiane no momento exato em que o relógio virou o dia. naquela ocasião era festa e ninguém deu bola para o estouro de taiane. centenas de estouros invadiram o céu com brilhos e sons variados. mas o estouro oriundo da casa de taiane reverberou um único som e uma única cor. à meia-noite e três minutos rachel deixou aquele mausoléu temporário. e logo se encontrava num bar, solitária, bebendo enquanto todos a sua volta cantavam a esperançosa chegada de mais um ano. para ela o ano não era uma medida tão importante do tempo. ela preferia os segundos. afinal, essa medida decidiu a vida de todas as pessoas que ela havia executado. ela não vacilava, por assim dizer, mas fixava os olhos em cada pessoa antes de cumprir seu serviço. talvez esperando que algum ato da pessoa a fizesse desistir, ou que a pessoa reagisse e a matasse antes, mas isso nunca aconteceu. na verdade era o momento de sua crise, que durava até o último dos três copos de whisky que tomava para se acalmar após o trabalho. depois disso ela voltava a caminhar. ela sabia que um dia iria chegar a vez dela. assassinos profissionais não duram muito nos dias de hoje e ela já estava há tempos no mercado. já era quase duas horas quando ela abriu a porta do quarto alugado. deitou-se e, como sempre, dormiu um sono profundo sem pensar nos próximos passos que daria. simplesmente descansou.