domingo, janeiro 17, 2010

fragmentos

II
ela chegava em casa de manhã cedo, tirava a blusa a deixava no canto do seu quarto e preparava um café forte. ainda dava tempo de tomar o café conferindo as correspondências que pegava na portaria antes de tomar uma ducha. era sempre uma ducha fria e rápida. ela costumava dormir depois disso até duas horas. mas naquele dia tinha um compromisso às três. ela havia marcado de passar o som com o convidado especial da noite em uma das casas noturnas em que trabalhava. na verdade era mais para fazer um social. levar o cara para conhecer a casa, depois uns drinks e talvez alguma coisa sólida para colocar no estômago. ela sentia falta de sua companhia, que havia lhe deixado há alguns meses. mas as coisas já estavam se ajeitando. ainda havia vestígios das últimas horas de prazer e tesão em sua cama. uma blusa esquecida e a mistura do perfume das amantes. ela conseguiu lembrar um pouco desses momentos e cochilou. acordou atrasada, porque ainda tinha que atravessar a cidade para receber o seu parceiro de trabalho. correu para pegar o ônibus e ocupou com destreza a última vaga naquele enlatado humano. com o tempo os usuários desse transporte desenvolvem uma espécie de mucosa nas roupas que os fazem escorregar por entre os corpos ocupando um microespaço, por vezes pouco ventilados, até seu destino final. conseguiu, enfim, chegar na casa noturna e cumpriu seu papel de anfitriã até o início da festa. ela era boa nisso, apesar de não gostar da idéia de ter que ser o guia da vez. mas ela sabia se entreter com as pessoas e gostava de lidar com elas. o trabalho foi calmo, com surpresas musicais interessantes, mas nada de excepcional. ela conheceu uma garota interessante, com quem trocou contatos. mas ela voltou para casa sozinha. tirou a blusa e tomou uma xícara de café. pensou consigo mesma que poderia ligar para sua antiga companheira, mas sabia que era estupidez. guardou essa idéia no seu baú de lembranças e, então, tomou uma ducha e se deitou.

sexta-feira, janeiro 01, 2010

fragmentos

I
um estouro saiu da casa de taiane no momento exato em que o relógio virou o dia. naquela ocasião era festa e ninguém deu bola para o estouro de taiane. centenas de estouros invadiram o céu com brilhos e sons variados. mas o estouro oriundo da casa de taiane reverberou um único som e uma única cor. à meia-noite e três minutos rachel deixou aquele mausoléu temporário. e logo se encontrava num bar, solitária, bebendo enquanto todos a sua volta cantavam a esperançosa chegada de mais um ano. para ela o ano não era uma medida tão importante do tempo. ela preferia os segundos. afinal, essa medida decidiu a vida de todas as pessoas que ela havia executado. ela não vacilava, por assim dizer, mas fixava os olhos em cada pessoa antes de cumprir seu serviço. talvez esperando que algum ato da pessoa a fizesse desistir, ou que a pessoa reagisse e a matasse antes, mas isso nunca aconteceu. na verdade era o momento de sua crise, que durava até o último dos três copos de whisky que tomava para se acalmar após o trabalho. depois disso ela voltava a caminhar. ela sabia que um dia iria chegar a vez dela. assassinos profissionais não duram muito nos dias de hoje e ela já estava há tempos no mercado. já era quase duas horas quando ela abriu a porta do quarto alugado. deitou-se e, como sempre, dormiu um sono profundo sem pensar nos próximos passos que daria. simplesmente descansou.