domingo, outubro 24, 2010

quando escrever é fazer-se...

quando escrevo não escrevo o que eu sou. por mais profundo que o texto seja ele nunca dá conta da nossa condição de epitélio. (é que a simplicidade é muito mais complexa do que possamos pensar.) na verdade o escrito é que nos dá possibilidades de ser. nos fazemos com ele e nele. depois nos refazemos, pois um texto não consegue lidar inteiramente com almas e corpos - que mais parecem papéis, que podem ser dobrados e desdobrados. quando escrevo não falo de mim. falo comigo. com você, ou você, talvez até mesmo com você. mas nunca de mim, inteiramente. e sim, daquilo que penso ser, que quero ser, inclusive daquilo que quero distância, que quero me desfazer. escrevo para machucar. pois ao mesmo tempo que o texto procura cicatrizar as feridas, outras tantas armas são dadas, nesse e por esse mesmo texto, para que mais feridas se abram. as criaturas que surgem do ato de escrever sou eu e é o texto. mas é preciso lembrar que ser não é eterno. que ser não é essência. e que escrever é sempre re-criação. sempre uma ação de repetir. repetir para que as cousas possam se tornar diferentes, como me ensinou uma criança na sua segunda infância. por isso o que escrevo não sou eu. não escrevo o que sou.

3 comentários:

lévia disse...

vc sempre escreve de vc sobre vc, mas na cachette! se os sentimentos nao sao vocalizados, ao menos sao escritos.......

Barrão disse...

sim e não. mas é legal vc colocar isso. pois apesar de não haver relação direta entre escrita e o 'si' do sujeito, há alguma relação. mas essa relação não é suficiente para dizer que a escrita é sobre si mesmo. (esse si, entendido como o sujeito individual).
por outro lado se pensarmos em sujeito como entidade coletiva, aquilo que constitui uma dada subjetividade, a escrita pode dizer respeito ao sujeito, sim. (mas acho que há alguma diferença importante entre o eu e o sujeito. não sei se superada. e acho que não chegamos às multiplicidades do eu, que existem em cada indivíduo. mas podemos, por outro lado compreender o sujeito constituinte de uma subjetividade).
uma vez que pode-se criar um personagem que apenas diz o que diria alguém que vive entre nós, um racista, por exemplo, sem, entretanto, o autor compartilhar com tal visão.
isso é possível, mas só é possível por existir em nossa coletividade posturas semelhantes ou que fizeram o autor pensar e criar algo novo em cima de questões que lhe atravessam e que atravessam os problemas da coletividade em que se encontra.
mais do que subtextos ou cachettes acho que algo por aí. só acho também.
beijo

Terapia Quinzenal disse...

Mas eu não conhecia seu blog. E por que? Eu nao sei. Cara, muito bom de verdade!!