sábado, novembro 15, 2008

conversação

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes, como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois o Messias não vem apenas como salvador; ele vem também como o vencedor do Anticristo. O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer. WB

...mas acontece que uma realidade encontra a outra, o passado reclama o respeito aos seus títulos, o presente, a princípio, inclina-se diante da primazia e nobreza do passado, mas reclama e quer impor os seus próprios valores, pois o que vive tem sempre razão. Nem sempre nessa luta o presente vence o passado, ou aceita apenas aquilo que é vivo do passado; muitas vezes o passado derrota o presente e faz nascer um futuro alquebrado. O dever do historiador não é para com os mortos, nem o culto do passado pelo passado deve ser nosso princípio. É em nome do presente que julgamos o passado, pois não há passado puro e único, mas mutável como a história, de acordo com a visão interessada do presente. JR

Temos uma responsabilidade pelos fatos históricos em geral e pela crítica do abuso político-ideológico da história em particular. Eu costumava pensar que a profissão de historiador, ao contrário, digamos, da de físico nuclear, não pudesse, pelo menos, produzir danos. Agora sei que pode. EH

As relações da História com o Presente da História com a Vida e com a Ação têm sido tratadas por filósofos, pensadores e historiadores. É a História um poder ativo, que determine ou condicione o presente, que nos force ou nos sugira meios de ação, agens ou potente da vida? JR

O cronista que narra indiscriminadamente os acontecimentos, sem distinguir grandes e pequenos, leva com isso em conta a verdade de que nada do que jamais aconteceu pode ser dado por perdido para a história. Certamente, só à humanidade redimida cabe o passado em sua plenitude. Isso quer dizer: só à humanidade redimida o seu passado tornou-se citável em cada um dos seus momentos. Cada um dos momentos vividos por ela torna-se uma citation à l’ordre du jour – dia que é, justamente, o do juízo final. WB

Deus não é dos mortos, mas dos vivos, porque, para ele todos são vivos. A história também não é dos mortos, mas dos vivos, pois ela é a realidade presente, obrigatória para a consciência, frutífera para a experiência. A vida e a realidade são história, gerando passado e futuro. JR

A história universal pode atingir uma variedade maior. Por uma teoria das multiplicidades por elas mesmas, no ponto em que o múltiplo passa ao estado de substantivo. As multiplicidades são a própria realidade, e não supõem nenhuma unidade, não entram em nenhuma totalidade e tampouco remetem a um sujeito. As subjetivações, as totalizações, as unificações são, ao contrário, processos que se produzem e aparecem nas multiplicidades. Os princípios característicos das multiplicidades concernem a seus elementos, que são singularidades; as suas relações, que são devires; a seus acontecimentos que são hecceidades (quer dizer, individuações sem sujeito); a seus espaços-tempos, que são espaços e tempos livres; a seu modelo de realização, que é o rizoma (por oposição ao modelo da árvore); aos vetores que as atravessam, e que constituem territórios e graus de desterritorialização. Em todo caso, a questão é: onde e como se faz tal encontro? GD&FG