sexta-feira, dezembro 23, 2011

"e se a humanidade perecer um dia sob os efeitos de bombas de hidrogênio, recuso-me a chamar isso de tragédia. chamo de imbecilidade."




não há nada de inevitável no problema da fome mundial, nas mortes em acidentes de trânsito, nas mortes e perdas materiais causadas pelas enchentes, na violência policial, no descaso com os sistemas escolares de ensino, nas cracolândias, nas câmeras de vigilância urbana, nas catracas nossas de cada dia, no transporte coletivo sucateado, no elevado preço dos alimentos, na coisificação e escravização dos animais humanos e não-humanos, no consumismo, nas fronteiras agrícolas e suas devastações de fauna e flora, na "mineiridade", nessa famigerada "condição humana". trata-se unica e puramente de imbecilidade...

segunda-feira, outubro 03, 2011

de aparições e esperanças

muitas profecias já circulavam a seu respeito. diziam que não mais iria voltar. alguns reafirmavam velhas histórias sobre suas diversas formas e muitos já estavam desacreditados. mesmo assim, boatos sobre sua aparição circulavam em diversos meios sociais. alguns ficavam de vigília para ver sua chegada, só que ninguém podia comprovar nada. muitos vezes o que se podia ver eram cinzas espalhadas no ar, que circulavam com muita dificuldade. mas numa madrugada quente, quando corpos suavam e rolavam entre os lençóis, alguma coisa irrompeu no céu. mal o relógio marcava 4 horas e de repente tudo ruiu. o céu desabou em água durante 12 horas e a cidade, após meses de delírios, se recompôs. o cheiro do asfalto molhado agora era a conversa de todas as rodas, pois a terra ainda era para poucos. duas semanas depois, um boato de que a chuva não mais iria parar circulava entre bares e conversas de trabalho. ninguém mais suportava a falta de ar dentro dos coletivos. de alguma forma, antigas profecias refaziam-se a seu respeito. e todos ansiavam pela chegada de um horizonte cheio de esperanças. mas esses sonhos estavam, de alguma forma, inacessíveis. e permaneceriam assim por muito tempo...

segunda-feira, setembro 26, 2011

NA POLÍCIA E NAS RUAS

26-06-1928

BEBIAM PARA ESQUECER AS MÁGOAS
É a eterna desculpa de sempre...
Um cavalheiro qualquer, porque não acertou na “centena”, não foi feliz em negócios, ou não é correspondido pela dona dos seus cismares, entende de consolar as mágoas em repetidas cálices de parati...
Ontem quando tentavam esquecer as agruras da vida num botequim da Barroca, os nacionais Raymundo Cosme e Maria Lourença, tornaram-se inconvenientes e começaram a ameaçar céus e terra, sendo por isso recolhidos ao xadrez da delegacia do terceiro distrito.

DO SALÃO DE BAILE PARA O XADREZ...
Promover um baile nesta capital não é, como muita gente supõe, uma coisa simples e sem formalidades. É preciso o consentimento da polícia...
Ignorando essa particularidade, alguns moradores da Barroca comemoravam, com uma festança de sucesso, a noite de S. João, quando a polícia invadiu inesperadamente a casa onde se realizava a “função” e prendeu os seus promotores, que pernoitaram na terceira delegacia.

NEM COM UMA FLOR, “SEU” ALFREDO...
A escolha do título é uma das torturas da vida do repórter.
Este “nem com uma flor” é velho, já está grisalho pelo uso de todos os dias...
Porém, para um cavalheiro, pelos menos esse “cliché” constitui novidade.
Trata-se de um Alfredo S. Horta, que além de espancar a Mathilde Soares Ferreira, vive ainda a ameaçá-la de morte.
Mathilde pediu providencias ao dr. Mariano Sales, delegado do terceiro distrito.

AS DOÇURAS DO LAR...
Como seu marido,Joaquim Bruno, além de espancá-la ainda vive a ameaçá-la de morte, Maria Jacinhta foi queixar-se às autoridades do terceiro distrito.

SAIU “À FRANCESA...”
Rosalina Alves, residente na Pedreira Prado Lopes, foi ontem à delegacia do distrito apresentar queixa contra o seu ex-inquilino Octavio de Britto, que não lhe quer pagar alguns meses de aluguel de casa que lhe deve.

quarta-feira, julho 27, 2011

dicertando

"a escrita não fala do passado senão para enterrá-lo. ela é um túmulo no duplo sentido de que, através do mesmo texto, ela honra e elimina."

terça-feira, julho 26, 2011

eu não sei se isso é delírio ou mera vertigem

ando dias a fio
pensando em palavras que não me
deixam mais
pensar que elas estão junto a mim.
assim, esqueço o que elas querem,
o que elas podem
o que elas jamais vão
significar.
me entrego a um trabalho
ou deito meu olhar na tela branca
observando resquícios do que não é tão torpe quanto o que nos rodeia.
se já não durmo de menos, como antes,
pelo menos passo a noite a imaginar
como seria se fosse da mesma forma,
se o retorno não passasse mais a ser um torno em volta de si mesmo.
ando dias a fio afiando as palavras
para que elas desapareçam
e não me matem como o frio que arranca o último suspiro de animais urbanos
tão humanizados quanto o escarro que escorre da boca de uma criança trabalhando em uma plantação de café.

segunda-feira, julho 04, 2011

elegia para Helena

sei que andas a me observar. gosto do sentimento que isso me traz. sempre há coisas para se mostrar. mesmo aquilo que não a satisfaz. você aparece calada e eu esqueço dos seus olhos sobre mim. até vejo-me rimando assim, de uma forma desengonçada.
mas quando lembro de teu olhar, arrepio só de pensar, que de tempos em tempos sobre mim ele vai pousar.
oh Helena, siga brilhando entre os exílios da emoção,
enquanto fico a enterrar-me nas fissuras da desrazão.

sábado, maio 07, 2011

tentando encontrar um caminho para a saída

e foi assim que ela saiu. sem olhar para trás, sem dizer nada, sem demonstrar que existiria um próximo encontro. afinal, não havia mais nada para dizer. já não fazia diferença nenhuma dizer ou não dizer. era como se já tivesse dito tudo, ao não dizer nada. nem aquele olhar tagarela que ela lançava, nem um discurso verborrágico que seu corpo costumava enunciar. nada. não havia nada para ser dito e nada foi dito. ficamos lá esperando o sereno da noite chegar ou alguma boa desculpa para nos tirar do lugar e para nos mover um pouco. havíamos desistido de qualquer coisa há tempos e as pessoas cansavam-se disso. queríamos ter o direito de desistir. e foi o que fizemos. mas depois ela desistiu de desistir. não havia o que dizer para seguir adiante. o recomeço era algo muito mais doloroso do que a viagem que fizemos para abandonar tudo. mas tudo já havia sido dito sobre isso. o exercício do silêncio nos fez dizer tudo sobre tudo. e talvez isso tenha feito ela desistir de desistir e desejar voltar ao desenrolar cotidiano de sua antiga vida. mas ela já não era a mesma, nem aquela que ainda não queria desistir da sua vida normal, nem aquela que resistiu e abriu outros caminhos para sua vida, desistindo de tudo. ao desistir de desistir, ela lutou contra seu pior inimigo: contra si própria. ela teve de se matar para poder viver outra vez, de outra forma. e foi assim que ela simplesmente saiu.