uma criança. aos 14. um diálogo. uma inquietação.
"mas se a pessoa coloca-se a dúvida se ela é ou não. ela já é", disse sua amiga.
a criança se cala. se põe a pensar. "não haveria outra forma de colocar a questão? seria essa a única maneira de compreender a situação? ou melhor, a única forma possível de imaginar essas relações? ser ou não ser? e se o caso, ou ainda, o ponto central do problema fosse outro? e se fosse do verbo estar?" os franceses não captariam logo a diferença. mas ela mudaria todo o jogo. se, ao invés, de 'ser' a pessoa 'estivesse' em tal ou tal posição, com tal ou tal disposição, de tal ou tal maneira, as coisas teriam aí uma outra perspectiva. os pontos de fuga poderiam multiplicar-se. e as centelhas espalhar-se-iam à deriva pelos espaços dos platôs, em constante interação. "a coisa não poderia ser tão fechada assim", ele pensava. se assim fosse, ele seria sempre um entra e sai de 'seres', que desapareceriam, ou cristarizariam em sua imagem, em seu corpo. não era isso que ele 'era'. se tivesse que usar o verbo ser, ele optaria por introduzí-lo em uma única proposição: sou uma constante etapa de 'estâncias', um colóquio infinito de 'estares' em relação aos territórios que ocupo, conquisto, reformo, transpasso, ignoro, desfaço, construo e abandono.
se 'tudo' tomasse parte desse infinito diálogo, logo teria de assumir que 'nada' faria parte dele, e tão logo pronunciasse essas palavras ele seria tudo. e o paradoxo 35 estaria, aí, em gestação.
mas a proposta não era ser tudo, ou nada. tampouco estar em tudo. mas, pelo contrário, estar em tudo, todo e qualquer lugar que lhe fosse possível. em lugares e espaços negados, desperdiçados e inutilizados. becos e matos despercebidos seriam alvo de seus estares. corpos nus e cobertos, fechados ou abertos, furados, vazados, coloridos, sujos ou diagramados estariam consigo, em si, e transpassando-o. corpos à deriva, como o seu, inertes, como de sua amiga, seriam as locações de suas estadias, de seus sonhos e planos, de suas experiências e ações. pouco importando a condição dos seres e como eles conduziriam suas vidas. o problema seria menos 'como definir-se nesse mundo desfigurado e opressor?', menos 'decida-se ou te devoro', menos 'é preciso acalmar o espírito nesses tempos sombrios e cruéis", do que "como construir múltiplas frentes de batalhas para a constante reestruturação das fronteiras e dos espaços estacionáveis e, por isso, rotativos. como construir platôs, salas de estares ambulantes, campos de descentralização, e, finalmente, uma ética plural?."
"mas se a pessoa coloca-se a dúvida se ela é ou não. ela já é", disse sua amiga.
a criança se cala. se põe a pensar. "não haveria outra forma de colocar a questão? seria essa a única maneira de compreender a situação? ou melhor, a única forma possível de imaginar essas relações? ser ou não ser? e se o caso, ou ainda, o ponto central do problema fosse outro? e se fosse do verbo estar?" os franceses não captariam logo a diferença. mas ela mudaria todo o jogo. se, ao invés, de 'ser' a pessoa 'estivesse' em tal ou tal posição, com tal ou tal disposição, de tal ou tal maneira, as coisas teriam aí uma outra perspectiva. os pontos de fuga poderiam multiplicar-se. e as centelhas espalhar-se-iam à deriva pelos espaços dos platôs, em constante interação. "a coisa não poderia ser tão fechada assim", ele pensava. se assim fosse, ele seria sempre um entra e sai de 'seres', que desapareceriam, ou cristarizariam em sua imagem, em seu corpo. não era isso que ele 'era'. se tivesse que usar o verbo ser, ele optaria por introduzí-lo em uma única proposição: sou uma constante etapa de 'estâncias', um colóquio infinito de 'estares' em relação aos territórios que ocupo, conquisto, reformo, transpasso, ignoro, desfaço, construo e abandono.
se 'tudo' tomasse parte desse infinito diálogo, logo teria de assumir que 'nada' faria parte dele, e tão logo pronunciasse essas palavras ele seria tudo. e o paradoxo 35 estaria, aí, em gestação.
mas a proposta não era ser tudo, ou nada. tampouco estar em tudo. mas, pelo contrário, estar em tudo, todo e qualquer lugar que lhe fosse possível. em lugares e espaços negados, desperdiçados e inutilizados. becos e matos despercebidos seriam alvo de seus estares. corpos nus e cobertos, fechados ou abertos, furados, vazados, coloridos, sujos ou diagramados estariam consigo, em si, e transpassando-o. corpos à deriva, como o seu, inertes, como de sua amiga, seriam as locações de suas estadias, de seus sonhos e planos, de suas experiências e ações. pouco importando a condição dos seres e como eles conduziriam suas vidas. o problema seria menos 'como definir-se nesse mundo desfigurado e opressor?', menos 'decida-se ou te devoro', menos 'é preciso acalmar o espírito nesses tempos sombrios e cruéis", do que "como construir múltiplas frentes de batalhas para a constante reestruturação das fronteiras e dos espaços estacionáveis e, por isso, rotativos. como construir platôs, salas de estares ambulantes, campos de descentralização, e, finalmente, uma ética plural?."
2 comentários:
sua vida em cor de rosa!
Os budistas já diziam que não somos um ser único, somos vários, um novo a cada instante. Nossas experiências nos constroem, somando-se ao nosso ser, prestes a se tornar o antigo ser. Mas eu duvido que os monges carecas e lutadores de kung fu estavam pensando em sexualidade enquanto formulavam estas questões. Ou, vai saber, era justamente o que mais ocupava suas mentes meditadas. Quem sabe.
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