eduardo saía cedo de casa e tomava seu café na mesma lanchonete até ter sentado em todas as cadeiras do local. quando ele certificava-se que já havia deixado sua marca em todas as cadeiras, era chegada a hora de mudar de local para fazer o desjejum. no café do zé, ele conseguiu circular nas 270 cadeiras, o equivalente a nove meses de cafés. eduardo encontrou carlinhos em apuros. em desespero carlinhos veio até dudu pedindo auxílio. eles entraram no café do zé e começaram a dialogar sobre a saga de carlinhos.
- eu te disse, cara, que tinha conhecido uma pessoa... ela chamava-se bertoldo.
- sim, carlos, vc havia me dito.
- pois é, bicho... esse cara era muito estranho... o pessoal chamava ele de ed. não entendia o porque...
- talvez seja o sobrenome... ou o segundo nome do cara...
- não! escuta essa história: bertoldo era uma pessoa sempre atenciosa, cheia de sorrisos. mas comigo, ele se abria... falava de seus desejos e sonhos, seus medos e frustrações. sempre achei que ele era uma pessoa comum, como todos. cheia de problemas psicológicos e cheia de felicidades extasiantes, fugazes e capazes de nos iludir com a idéia de um futuro sereno e sempre melhor que hoje. acontece que bertoldo não parecia ele mesmo quando eu o via com as outras pessoas. ocorreu, em um restaurante que ele costumava frequentar, uma coisa muito bizarra. no final do nosso jantar. uma pessoa se aproximou pedindo para tirar foto com ele, chamando-o de eddie murphy, dizendo que amava seu trabalho. bertoldo, sempre muito amável, sorriu e gargalhou exatamente como o eddie. nesse momento eu passei a entender que era de eddie e não ed que as pessoas o chamavam. enfim, ele sorriu, com aquele bigodinho todo cortado à la um tira da pesada, fez uma piadinha infame, como o próprio murphy, assinou uma camisa e um boné para o senhor, despediu-se e voltou para a mesa!
- o que tem demais nisso, carlin?
- pô edu, deixe-me terminar...
- ok.!
- bom, o cara olhou para mim e... PORRA! ele não era nada parecido com eddie murphy. eu virei para ele e disse: "diz aí bertoldo, porque eles acham que você é o eddie murphy?" ele me respondeu que ele era muito parecido com ele. e que não gostava de decepcionar as pessoas que os confundiam. repeti a pergunta: "mas, porra! tu não tem nada a ver com ele, cara! e não é só porque vc é branquelão, não! tu parece mais a meryl streep do que o eddie." eu te digo, o cara ferveu...
(no mesmo instante em que carlos proferiu aquelas palavras, o cérebro de bertoldo liberou, em questão de milésimos de segundos diversos tipos de substâncias, que deixaram a corrente sanguínea mais agitada. a primeira leva que chegou ao coração fez este músculo vibrar com uma intensidade tamanha, que o sangue bombeado começou a vaporizar. em menos de meio segundo todo o sangue já se encontrava em pleno estado de ebulição. retornando em seguida ao cérebro, que em um lance de lince enviou um comando ao seu punho fechado, que avançou violentamente no espaço, provocando grande turbilhão de ar por onde passava. seu punho passou como um cartucho rente à orelha de carlinhos, acertando a mesa em que estavam.)
- o cara me socou! mas eu desviei...
(carlinhos observou a face de bertoldo, que em menos de um segundo passou de alva para pimentão vermelho, progressivamente. foi possível observar o sangue de bertoldo circulando entre seus olhos, fazendo vibrar suas veias oculares. observando o belo conjunto da transformação da raiva em seu corpo, de sinapses ao impulso que o cotovelo dá ao punho, carlinhos percebeu que era o momento de agir. deslocando seu corpo mirrado cerca de alguns milímetros para sua esquerda, conseguiu escapar de um algo que poderia ser um longo desvio da sua rotina.)
- perguntei se ele tinha achado ruim compará-lo a uma mulher e a resposta foi negativa. mas naquele momento, ainda não conhecia a história obscura desse desfortunado. ele disse-me que era obrigado a ser o que as pessoas quisessem que ele fosse... e que não gostava quando as pessoas inventavam mais uma identidade para ele... a partir daquele instante ele passaria a ser meryl streep diante de mim.
- pô, carlinhos. até que a meryl não é uma má companhia!
- sim! mas isto não está em questão. escute! o cara ficou cada vez mais parecido com a meryl e até fez aquele olhar dela ao terminar uma taça de vinho branco. eu gelei, cara. pensei que estava ficando um tanto alterado: “poderia ser o álcool”, imaginei já ansioso. e não é que o cara passou a ser, a se comportar como a meryl desde então?
- é carlinhos, você finalmente está enfrentando isso!...
- isso o que, dudu?
- pô, carlinhos! ainda não sacou?
- eduardo, tu tá me fritando já! conta logo, pô!
- carlinhos, pense um pouco. olhe ao seu redor...
e então carlinhos se virou e percebeu o óbvio! que as pessoas se comportavam a partir das expectativas de seus parceiros. a cena era absurda. ele conhecia algumas pessoas do café, e viu que essas pessoas se comportavam exatamente como ele as imaginava sempre que estavam perto dele. outras pessoas comportavam-se de forma distinta da que ele designava à elas, mesmo assim elas continuavam parecidas com a idéia que ele tinha delas. carlinhos ficou desconcertado e começou a compreender. olhou para o zé e percebeu que ele estava catando comida do chão e recolocando num prato de um cliente, exatamente como ele o pintara em sua galeria de percepções. eduardo continuava sério e austero – ele sempre fora assim diante de carlinhos.
- olha carlinhos, as pessoas são o que são a partir de todo uma complexa rede de percepção e criação imaginativa, simbólica e lógica que realizamos quando entramos em contato com diferentes pontos que ajudam a compor essa rede. você possui centenas de juízos de valores e os conjuga quando conhece alguém, formando uma imagem daquele novo conhecido. essa imagem vai se construindo ao longo da relação e, geralmente, privilegiamos os juízos que mais nos impactaram. com isso percebemos mais as características que nos interessa, compreende?
- poxa dudu, sempre te achei inteligente, sério e austero.
eduardo sempre tinha notado que carlinhos era um babaca e um tanto quanto idiota, ou submisso. irritado, ele olhou no relógio (afinal ele era um homem sério, diante de carlinhos) levantou-se e pediu desculpas mas teria de deixá-lo por estar atrasado. carlinhos, pediu desculpas por tanto incômodo, disse que pagaria aquele desjejum. ao fim, convidou dudu para juntar-se a ele em sua casa no fim de semana, como sinal de desculpas sinceras. eduardo balançou a cabeça levemente para baixo, confirmando, indo-se logo depois. carlinhos ficou ali, esperando bertoldo chegar e lançar seu olhar de meryl streep.
- eu te disse, cara, que tinha conhecido uma pessoa... ela chamava-se bertoldo.
- sim, carlos, vc havia me dito.
- pois é, bicho... esse cara era muito estranho... o pessoal chamava ele de ed. não entendia o porque...
- talvez seja o sobrenome... ou o segundo nome do cara...
- não! escuta essa história: bertoldo era uma pessoa sempre atenciosa, cheia de sorrisos. mas comigo, ele se abria... falava de seus desejos e sonhos, seus medos e frustrações. sempre achei que ele era uma pessoa comum, como todos. cheia de problemas psicológicos e cheia de felicidades extasiantes, fugazes e capazes de nos iludir com a idéia de um futuro sereno e sempre melhor que hoje. acontece que bertoldo não parecia ele mesmo quando eu o via com as outras pessoas. ocorreu, em um restaurante que ele costumava frequentar, uma coisa muito bizarra. no final do nosso jantar. uma pessoa se aproximou pedindo para tirar foto com ele, chamando-o de eddie murphy, dizendo que amava seu trabalho. bertoldo, sempre muito amável, sorriu e gargalhou exatamente como o eddie. nesse momento eu passei a entender que era de eddie e não ed que as pessoas o chamavam. enfim, ele sorriu, com aquele bigodinho todo cortado à la um tira da pesada, fez uma piadinha infame, como o próprio murphy, assinou uma camisa e um boné para o senhor, despediu-se e voltou para a mesa!
- o que tem demais nisso, carlin?
- pô edu, deixe-me terminar...
- ok.!
- bom, o cara olhou para mim e... PORRA! ele não era nada parecido com eddie murphy. eu virei para ele e disse: "diz aí bertoldo, porque eles acham que você é o eddie murphy?" ele me respondeu que ele era muito parecido com ele. e que não gostava de decepcionar as pessoas que os confundiam. repeti a pergunta: "mas, porra! tu não tem nada a ver com ele, cara! e não é só porque vc é branquelão, não! tu parece mais a meryl streep do que o eddie." eu te digo, o cara ferveu...
(no mesmo instante em que carlos proferiu aquelas palavras, o cérebro de bertoldo liberou, em questão de milésimos de segundos diversos tipos de substâncias, que deixaram a corrente sanguínea mais agitada. a primeira leva que chegou ao coração fez este músculo vibrar com uma intensidade tamanha, que o sangue bombeado começou a vaporizar. em menos de meio segundo todo o sangue já se encontrava em pleno estado de ebulição. retornando em seguida ao cérebro, que em um lance de lince enviou um comando ao seu punho fechado, que avançou violentamente no espaço, provocando grande turbilhão de ar por onde passava. seu punho passou como um cartucho rente à orelha de carlinhos, acertando a mesa em que estavam.)
- o cara me socou! mas eu desviei...
(carlinhos observou a face de bertoldo, que em menos de um segundo passou de alva para pimentão vermelho, progressivamente. foi possível observar o sangue de bertoldo circulando entre seus olhos, fazendo vibrar suas veias oculares. observando o belo conjunto da transformação da raiva em seu corpo, de sinapses ao impulso que o cotovelo dá ao punho, carlinhos percebeu que era o momento de agir. deslocando seu corpo mirrado cerca de alguns milímetros para sua esquerda, conseguiu escapar de um algo que poderia ser um longo desvio da sua rotina.)
- perguntei se ele tinha achado ruim compará-lo a uma mulher e a resposta foi negativa. mas naquele momento, ainda não conhecia a história obscura desse desfortunado. ele disse-me que era obrigado a ser o que as pessoas quisessem que ele fosse... e que não gostava quando as pessoas inventavam mais uma identidade para ele... a partir daquele instante ele passaria a ser meryl streep diante de mim.
- pô, carlinhos. até que a meryl não é uma má companhia!
- sim! mas isto não está em questão. escute! o cara ficou cada vez mais parecido com a meryl e até fez aquele olhar dela ao terminar uma taça de vinho branco. eu gelei, cara. pensei que estava ficando um tanto alterado: “poderia ser o álcool”, imaginei já ansioso. e não é que o cara passou a ser, a se comportar como a meryl desde então?
- é carlinhos, você finalmente está enfrentando isso!...
- isso o que, dudu?
- pô, carlinhos! ainda não sacou?
- eduardo, tu tá me fritando já! conta logo, pô!
- carlinhos, pense um pouco. olhe ao seu redor...
e então carlinhos se virou e percebeu o óbvio! que as pessoas se comportavam a partir das expectativas de seus parceiros. a cena era absurda. ele conhecia algumas pessoas do café, e viu que essas pessoas se comportavam exatamente como ele as imaginava sempre que estavam perto dele. outras pessoas comportavam-se de forma distinta da que ele designava à elas, mesmo assim elas continuavam parecidas com a idéia que ele tinha delas. carlinhos ficou desconcertado e começou a compreender. olhou para o zé e percebeu que ele estava catando comida do chão e recolocando num prato de um cliente, exatamente como ele o pintara em sua galeria de percepções. eduardo continuava sério e austero – ele sempre fora assim diante de carlinhos.
- olha carlinhos, as pessoas são o que são a partir de todo uma complexa rede de percepção e criação imaginativa, simbólica e lógica que realizamos quando entramos em contato com diferentes pontos que ajudam a compor essa rede. você possui centenas de juízos de valores e os conjuga quando conhece alguém, formando uma imagem daquele novo conhecido. essa imagem vai se construindo ao longo da relação e, geralmente, privilegiamos os juízos que mais nos impactaram. com isso percebemos mais as características que nos interessa, compreende?
- poxa dudu, sempre te achei inteligente, sério e austero.
eduardo sempre tinha notado que carlinhos era um babaca e um tanto quanto idiota, ou submisso. irritado, ele olhou no relógio (afinal ele era um homem sério, diante de carlinhos) levantou-se e pediu desculpas mas teria de deixá-lo por estar atrasado. carlinhos, pediu desculpas por tanto incômodo, disse que pagaria aquele desjejum. ao fim, convidou dudu para juntar-se a ele em sua casa no fim de semana, como sinal de desculpas sinceras. eduardo balançou a cabeça levemente para baixo, confirmando, indo-se logo depois. carlinhos ficou ali, esperando bertoldo chegar e lançar seu olhar de meryl streep.