quarta-feira, janeiro 30, 2008
aperfeiçoamento da articulação lógica e retórica sob os efeitos da ilusão da coesão hierárquica do mundo social. I (por um cidadão comum)
sexta-feira, janeiro 04, 2008
brincando de reconhecer
Descobri o nome daquele que causa os “sinistros”, que minha avó tanto fala. 'Sinistro' era como ela chamava meu tio, o “desastrado” da família. E ele sempre foi uma referência quando eu quebrava algum copo ou derrubava feijão na toalha limpa, pois ela se apressava a contar alguma história de outros "sinistros" cometidos por aquele tio. Sempre achei que não era nossa culpa, e hoje creio que tinha razão. Descobri ainda que quem causa esses "sinistros" é aquele anão corcunda sobre o qual o alemão falava na primeira tese, que se esconde na mesa de xadrez da história e que conduz com cordéis a mão do fantoche que joga. Talvez seja deus, talvez seja simplesmente o acaso. Talvez aquele alemão teria pensado que o controle do jogo provinha de algo mais místico que o acaso, mas prefiro este para entender o papel que aquele anão, o corcundinha, representa. Se só uma sociedade redimida pode citar seu passado em cada um de seus momentos, e se essas citações só são possíveis no dia do juízo final, da redenção, como disse o teutônico, então durante aquela famosa retomada de nosso passado, segundos antes da morte, quem apareceria para fazer com que reconheçamos inteiramente nossa trajetória seria o corcundinha. Mas qual o sentido de esperar a morte para nos rendermos à reflexão sobre o que estamos fazendo de nós? Se não podemos lutar contra o acaso, contra o imprevisível corcundinha, podemos, ao menos, aprender com ele e retomar os objetivos dos nossos projetos. O que esperamos do porvir quase nunca vem da forma como concebemos inicialmente, assim creio que o que faz a humanidade seguir adiante é a habilidade de lidar com essas casualidades. Não estou dizendo que nossas vidas são feitas somente de acasos, mas sim que essas ocasiões são propícias para refletirmos sobre nossa trajetória, e, quem sabe, mudarmos alguns rumos. O problema é que nunca vemos o corcundinha. Só ele nos vê. Só ele pode lançar um olhar para nós, e é com esse olhar que as coisas começam. Nos resta exercitar nossas habilidades de disputar aquele jogo, de regras eventualmente modificáveis, para percebermos com mais clareza os movimentos das peças. Já que o corcundinha não pode escolher nenhum lado, e efetivamente não escolhe, restou para a humanidade desenvolver uma capacidade – ou mais de uma – eficiente de superar os estragos causados pelo imprevisto, e cada sociedade dá seu jeito. Alguns de nossos modernos antepassados – aqueles que se acreditavam herdeiros do outro lado do Atlântico – temiam o imprevisto e lutaram para vencer o corcundinha. A modernidade – confundida com o capitalismo – criou inúmeras fórmulas e leis para superar esse problema, que atuava (e atua) em todos os espaços da vida. Hoje milhões de brasileiros lutam contra as adversidades da vida cotidiana, mas, ironicamente, para muitos o acaso é na verdade o contrário daquele que amedrontava nossos queridos antepassados moderninhos – isso para não colocar sempre nossas queridas elites contemporâneas na história. Enfim, descobri o nome daquele que me faz quebrar um copo nas condições mais adversas para que isso ocorra. E descobri que o exercício que fazemos só pode ser feito se reconhecermos as transformações, – no plural, diferentemente do que o alemão pensou – as mais imperceptíveis de todas. Eu posso chorar pelo copo perdido ou dar novos usos para aquelas peças de vidro, aparentemente inúteis.